Mão de obra barata

MENORES SOFREM ABUSO SEXUAL EM TROCA DE OURO

Esta é a história real de algumas minas de ouro, encerradas por multinacionais por deixarem de ser lucrativas, na África do Sul, onde o abuso sexual de menores é uma prática recorrente, com muitas das vítimas sendo aliciadas com ouro

Jonathan suportou seis meses extenuantes de vida e trabalho no subsolo de uma mina de ouro abandonada neste território africano. A coisa mais chocante que viu foi o abuso contra as crianças.

‘‘Algumas delas são recrutadas como mão de obra barata, mas outras são trazidas especificamente com fins sexuais’’, disse.

Jonathan, agora com quase 30 anos, migrou para a África do Sul com a promessa de ganhar dinheiro fácil, em uma das dezenas de minas desactivadas por multinacionais, por já não serem comercialmente viáveis.

A reportagem protegeu completamente a identidade de Jonathan, pois  teme represálias das gangues criminosas que comandam a indústria de mineração ilegal.

Segundo a matéria publicada pela BBC News, que o Ponto de Situação teve acesso esta quinta-feira, 22 de Maio,  os detalhes sobre o que acontecia no subsolo começaram a surgir após a morte de dezenas de mineiros ilegais perto da cidade de Stilfontein no final do ano passado, quando uma mina foi bloqueada pela polícia.

Com voz calma e firme, Jonathan descreve o calor, as longas horas de trabalho e as poucas opções de alimentação e a falta de sono que afectaram seu corpo e sua saúde.

Lembrança duradoura é o que aconteceu com os mineiros menores de idade na mina onde  trabalhou.

‘‘Eu costumava ver essas crianças na mina, adolescentes, na verdade, de 15, 17 anos’’, contou.

‘‘Outros costumavam se aproveitar delas às vezes. Era um pouco assustador e eu não me sentia confortável com isso’’, disse Jonathan.

A fonte afirma, que os menores de idade foram estuprados por mineiros adultos, que prometeram dar a eles parte do ouro que encontrassem em troca de sexo.

‘‘Se aquele garoto está desesperado por dinheiro, ele corre o risco’’, observa Jonathan.

O homem descreve como as crianças se aproximavam de equipas de mineiros em busca de protecção.

O sexo também era usado como punição se os adolescentes não conseguissem completar uma tarefa para a equipa.

Jonathan falou que as crianças na mina onde trabalhava eram todas estrangeiras e não sabiam do que se tratava.

O pesquisador e activista Makhotla Sefuli corrobora a afirmação de Jonathan.

Makhotla Sefuli afirma que as gangues criminosas têm como alvo específico crianças, que são levadas a trabalhar em minas ilegais em toda a África do Sul.

Muitas delas, conta a fonte, são sequestradas e traficadas em países vizinhos. Elas são atraídas por promessas infundadas de encontrar emprego na indústria formal de mineração.

‘‘Os passaportes delas são confiscados quando chegam à África do Sul... É de conhecimento geral que esses jovens estão sofrendo abusos’’, conta Sefuli.

A BBC conversou com mineiros que trabalharam em pelo menos duas outras minas ilegais. Eles também disseram ter visto crianças sendo abusadas nos poços.

Tshepo (que também pediu para ter a identidade protegida) afirma ter testemunhado homens mais velhos a forçar  jovens a fazer sexo com eles no subsolo.

‘‘Em alguns casos, esses menores de idade faziam isso por dinheiro. Alguns são recrutados exclusivamente para esse fim, com incentivos financeiros que advêm da prática de negociar sexo no subsolo’’, falou Tshepo.

Ele acrescenta que o abuso afectou profundamente as crianças.

‘‘Eles mudam seus padrões de comportamento e têm problemas de confiança. Não querem que você se aproxime, porque sentem que não podem mais confiar em ninguém’’, acrescentou.

A indústria de mineração ilegal da África do Sul ganhou as manchetes globais no ano passado, após um impasse entre a polícia e os trabalhadores da mina de ouro de Buffelsfontein, perto da cidade de Stilfontein.

As autoridades tentavam coibir a mineração ilegal que, segundo o governo, custou à economia da África do Sul US$ 3,2 bilhões em receitas perdidas no ano passado.

Foi lançada uma operação chamada Vala Umgodi, ou ‘‘selar o buraco’’, em dezembro de 2023, e prometeram adoptar uma postura firme contra as gangues.

Como parte da operação, a polícia limitou a quantidade de comida e água que descia pela mina de Stilfontein para, como disse um ministro, ‘‘apagar’’ a mineração ilegal.

Autoridades acrescentaram que os homens se recusavam a sair por medo de serem presos.

Logo na sequência, imagens começaram a surgir de dentro das minas e mostram dezenas de homens extremamente magros, que imploram pelo resgate. Também é possível ver fileiras de sacos para cadáveres.

Entre os resgatados, muitos afirmaram ser menores de idade.

No entanto, como vários deles eram migrantes sem documentos que comprovassem a idade, as autoridades realizaram exames médicos para obter uma estimativa.

Com isso, o Departamento de Desenvolvimento Social (DSD) da África do Sul confirmou que 31 dos mineiros resgatados de Stilfontein eram crianças.

Todos eram moçambicanos e, em Novembro, 27 deles foram repatriados, revela a reportagem da BBC, divulgada na quarta-feira, 21 de Maio.

A organização Save the Children África do Sul ajudou a traduzir algumas das entrevistas entre os mineiros menores de idade e os socorristas.

‘‘Eles passaram por traumas, porque alguns também presenciaram outras pessoas sendo exploradas sexualmente", disse a CEO da instituição, Gugu Xaba.

‘‘Só a sensação de que talvez não conseguissem sair de lá destruía a mente dessas crianças’’, disse Xaba.

‘‘Os mineiros adultos começavam a aliciar e agiam como se gostassem delas’’, contou a CEO da instituição.

Xaba conta que as crianças eram então obrigadas a praticar actos sexuais com os adultos e, em seguida, acabavam estupradas, dia após dia.

Um tribunal sul-africano ordenou que as autoridades salvassem esses trabalhadores.

‘‘Você descobre que um adulto tem três ou quatro crianças com quem faz a mesma coisa’’, estima ela.

Xaba afirma que gangues de mineração recrutam crianças por questões como a facilidade de manipular e os baixos custos.

‘‘As crianças não entendem quando você diz: 'Eu te pago 20 rands (R$ 6,33) por dia. Os adultos às vezes se recusam a trabalhar, mas as crianças se vêm sem escolha. Então, é mais fácil usar uma criança para fazer o serviço. É mais fácil pegar uma criança que não tem voz e levá-la para lá’’, declarou Xaba.

Além de serem exploradas financeiramente, Xaba disse que existem gangues que recrutam crianças especificamente para fins sexuais.

Muitos mineradores ilegais passam meses no subsolo e raramente sobem à superfície. Mercados surgem no subsolo para fornecer tudo o que eles precisam.

‘‘A maioria das crianças é traficada para ser usada como escrava sexual. E você tem um cafetão que fica com o dinheiro. Isso significa que todos os dias essas crianças são usadas como trabalhadoras comerciais do sexo’’, finalizou a CEO Gugu Xaba.

Enquanto isso, a indústria de mineração ilegal continua a prosperar e com cerca de 6 mil minas vazias potencialmente disponíveis para exploração. Trata-se de um negócio que dificilmente acabará tão cedo, o que deixa milhares de crianças sob risco, alerta a reportagem da BBC News, que o Ponto de Situação teve acesso.

Leia também:CIDADÃO ERITREU ACUSADO DE ABUSO SEXUAL DE MENOR E TRANSMISSÃO DOLOSA DO HIV/SIDA

Redacção Ponto de Situação

comentário como:

comentário (0)