APLICATIVO DE INTELIGÊNCIA ARTIFICIAL QUE REVIVE FAMILIARES MORTOS CAUSA DEBATE SOBRE TECNOLOGIA DO LUTO

Um aplicativo que usa inteligência artificial para criar avatares de pessoas já falecidas partir de vídeos gravados ainda em vida, tem gerado polêmica na internet. Chamado de 2Wai, a app permite recriar alguém virtualmente para interações ao vivo. Por enquanto, está disponível apenas nos Estados Unidos.

Um vídeo que demonstra a tecnologia viralizou no X. Nele, uma mulher grávida aparece conversando com a própria mãe, que já morreu. A história avança e mostra a avó contando uma história para o bebê e, em seguida, a criança já crescida usando a app para interagir com ela.

O vídeo da 2Wai, de quase dois minutos, foi publicado pelo cofundador da startup, Calum Worthy, e já ultrapassou 40 milhões de visualizações. Worthy, para quem não sabe, também é actor e ficou conhecido pela série "Austin & Ally", do Disney Channel, em que interpretou "Dez".

O post logo recebeu uma enxurrada de comentários, a maioria críticos. "Essa é uma das coisas mais vis que já vi", escreveu uma pessoa.

"Mais uma forma de as pessoas perderem completamente o contacto com a realidade e evitarem o processo normal do luto", afirmou outra.

O 2Wai é um aplicativo para criar "HoloAvatars", como a empresa chama os avatares, que não se limitam a pessoas já falecidas. A startup afirma que é possível gerar um "HoloAvatar" de "personagens", como um personal trainer, escritor, agente de viagem ou até astrólogo.

Quando é de alguém que já faleceu, ele só pode ser criado se houver um vídeo gravado antes da morte, com a pessoa falando e se movimentando. A partir dessas imagens, a IA amplia o repertório do "gêmeo digital", que, segundo o 2Wai, consegue falar como a pessoa real, reconhecer o usuário e lembrar informações passadas.

A empresa afirmou que a app suporta mais de 40 idiomas, mas não diz se o português está disponível. Por enquanto, o 2Wai funciona apenas para iPhone (iOS) nos EUA, mas chegará "em breve" a modelos Android.

O serviço é totalmente gratuito actualmente, mas eles dizem que "assinaturas e compras dentro da app podem ser incluídas no futuro".

Especialista ouvida pelo g1 alerta para o risco de dependência e para a "ilusão de realidade" ao usar IAs, especialmente durante o processo de luto.

"A mesma tecnologia que oferece companhia pode gerar confusão entre o real e o simulado, criar dependência afectiva e, em alguns casos, amplificar a angústia", analisou a psicóloga e psicanalista da faculdade ESPM, Mariana Malvezzi.

"Essa ilusão da IA pode minar a autonomia emocional, afastar o enlutado de rituais do luto e dificultar o movimento de simbolização, que é reconhecer a morte e, aos poucos, ressignificá-la", completou a especialista.

O uso de IA para "reviver" pessoas falecidas tem se tornado cada vez mais comum. Em maio, o g1 mostrou o caso de uma versão de inteligência artificial de uma vítima de homicídio que "marcou presença" em um julgamento no Arizona, nos EUA.

A versão da vítima criada por IA disse ao atirador que lamentava que eles tivessem se encontrado no dia do crime, naquelas circunstâncias, e afirmou que, em outra vida, os dois poderiam ter sido amigos, segundo a agência Associated Press.

Em outro caso polêmico, o jornalista Jim Acosta, ex-âncora da CNN norte-americana, "entrevistou" um avatar criado por IA de Joaquin Oliver, jovem de 17 anos morto no massacre em uma escola de Parkland, na Flórida, em 2018.

O vídeo, publicado no YouTube, mostra Acosta ao lado da versão digital de Joaquin, recriada pelos pais a partir de uma foto antiga, com voz e movimentos gerados por IA.

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