ÁFRICA E OS SEUS GOLPES

África, esse gigante inquieto que respira grandeza e contradição, volta e meia vê o seu nome lançado no temporal de episódios que ferem a sua dignidade: golpes sucessivos, eleições manchadas, ambições que desfiguram a democracia e atrasam os sonhos colectivos. É um espelho duro, um aviso à nossa lucidez, uma pergunta aberta sobre a herança que desejamos deixar aos nossos filhos.

Para situar o leitor na profundidade desta ferida histórica, recolhi uma amostra representativa dos golpes que varreram o continente ao longo de décadas. Cada um poderá aprofundar os dados, mas trago esta reflexão como um convite à mudança de paradigma. Não é uma lista completa, porém é suficiente para expor o ciclo persistente que assombra instituições e adia projectos.

Países e episódios registados

Uganda

  • 1966-Fevereiro: Milton Obote derruba o Mutesa II de Buganda.
  • 1971-21 de Janeiro: Idi Amin derruba Milton Obote.
  • 1980- 12 de Maio: Paulo Muwanga depõe Godfrey Binaisa.
  • 1985- 27 de Julho: Tito Okello depõe Milton Obote.

Tunísia

  • 1957- 25 de Julho: Habib Bourguiba derruba o rei Muhammad VIII al‑Amin, abolindo a monarquia e proclamando a república.
  • 1987- 7 de Novembro: Zine El Abidine Ben Ali depõe Habib Bourguiba.

Togo

  • 1963- 13 de Janeiro: Étienne Eyadéma e Emmanuel Bodjolle derrubam Sylvanus Olympio.
  • 1967- 13 de Janeiro: Étienne Eyadéma e Kléber Dadjo derrubam Nicolas Grunitzky.

Sudão

  • 1958- 16 de Novembro: Ibrahim Abboud derruba Abdallah Khalil.
  • 1969- 25 de Maio: Gaafar al‑Nimeiry derruba Ismail al‑Azhari.
  • 1985- 6 de Abril: Abdel Rahman Swar al‑Dahab derruba Gaafar al-Nimeiry.
  • 1989- 30 de Junho: Omar Hassan Ahmad al‑Bashir derruba Ahmed al‑Mirghani.

Somália

  • 1969- 21 de Outubro: Muhammad Siad Barre depõe Sheikh Mukhtar Mohamed Hussein.
  • 1991-26 de Janeiro: Mohammed Farrah Aidid derruba Muhammad Siad Barre.

São Tomé e Príncipe

  • 1995- 15 de Agosto: Manuel Quintas de Almeida derruba Miguel Trovoada por seis dias.
  • 2003-16 de Julho: Fernando Pereira derruba Fradique de Menezes por sete dias.

República de Ruanda

  • 1973, 5 de Julho: Juvénal Habyarimana derruba Grégoire Kayibanda.
  • 1994, Abril: Théoneste Bagosora e oficiais do “Akazu”, com apoio do movimento “Hutu Power”, tomam o controle do Estado após a morte de Juvénal Habyarimana. Um governo interino, sem base constitucional, é instaurado.

Nigéria

  • 1966-15 de Janeiro: Chukwuma Kaduna Nzeogwu derruba Abubakar Tafawa Balewa.
  • 1966- 29 de Julho: Yakubu Gowon derruba Johnson Aguiyi‑Ironsi.
  • 1975- 29 de Julho: Murtala Mohammed derruba Yakubu Gowon.
  • 1983- 31 de Dezembro: Mohammadu Buhari derruba Shehu Shagari.
  • 1985- 27 de Agosto: Ibrahim Babangida derruba Mohammadu Buhari.
  • 1993- 17 de Novembro: Sani Abacha derruba Ernest Shonekan.

Níger

  • 1974-15 de Abril: Seyni Kountché derruba Hamani Diori.
  • 1996- 27 de Janeiro: Ibrahim Baré Maïnassara derruba Mahamane Ousmane.
  • 1999- 9 de Abril: Daouda Malam Wanke derruba Ibrahim Baré Maïnassara.
  • 2010- 18 de Fevereiro: Salou Djibo derruba Mamadou Tandja.
  • 2023- 26 de Julho: militares da guarda presidencial derrubam Mohamed Bazoum.

Mauritânia

  • 1978- 10 de Julho: Mustafa Ould Salek depõe Moktar Ould Daddah.
  • 1979-6 de Abril: Ahmad Ould Bouceif e Mohamed Khouna Ould Haidalla derrubam Mustafa Ould Salek.
  • 1980- 4 de Janeiro: Mohamed Khouna Ould Haidalla depõe Mohamed Mahmoud Ould Louly.
  • 1984- 12 de Dezembro: Maaouya Ould Sid'Ahmed Taya depõe Mohamed Khouna Ould Haidalla.
  • 2005- 3 de Agosto: Ely Ould Mohamed Vall derruba Maaouya Ould Sid'Ahmed Taya.
  • 2008- 6 de Agosto: Mohamed Ould Abdel Aziz derruba Sidi Ould Cheikh Abdallahi.

Mali

  • 1968-19 de Novembro: Moussa Traoré depõe Modibo Keita.
  • 1991- 26 de Março: Amadou Toumani Touré derruba Moussa Traoré.
  • 2021-24 de Maio: Assimi Goïta e o exército depõem Bah Ndaw.

Madagáscar

  • 1972-11 de Outubro: Gabriel Ramanantsoa derruba Philibert Tsiranana.
  • 1975- 5 de Fevereiro: Richard Ratsimandrava depõe Gabriel Ramanantsoa.
  • 2002- 25 de Fevereiro: Marc Ravalomanana derruba Didier Ratsiraka.
  • 2009- 17 de Março: Andry Rajoelina derruba Marc Ravalomanana.

Lesoto

  • 1986- 18 de Janeiro: Justin Metsing Lekhanya derruba Leabua Jonathan.
  • 1990- 12 de Novembro: Justin Metsing Lekhanya depõe o rei Moshoeshoe II do Lesoto.
  • 1991- 2 de Maio: Elias Phisoana Ramaema derruba Justin Metsing Lekhanya.

Libéria

  • 1980- 12 de Abril: Samuel K. Doe derruba o presidente William R. Tolbert Jr.

Guiné

  • 1984-3 de Abril: Lansana Conté derruba Louis Lansana Beavogui.
  • 2008-24 de Dezembro: Moussa Dadis Camara derruba Aboubacar Somparé.

Guiné-Bissau

  • 1980-14 de Novembro: João Bernardo Vieira derruba Luis Cabral.
  • 1999- 7 de Maio: Ansumane Mané derruba João Bernardo Vieira.
  • 2003- 14 de Setembro: Veríssimo Correia Seabra derruba Kumba Iala.
  • 2012- 12 de Abril: Manuel Serifo Nhamadjo depõe Carlos Gomes Júnior e Raimundo Pereira.
  • 2025- tentativa frustrada de golpe de Estado anunciada por 13 militares.

Guiné Equatorial

  • 1979- 29 de Setembro: Teodoro Obiang Nguema Mbasogo derruba Francisco Macias Nguema.

Gana

  • 1966-24 de Fevereiro: Joseph Arthur Ankrah derruba Kwame Nkrumah.
  • 1972- 13 de Janeiro: Ignatius Kutu Acheampong derruba Kofi Abrefa Busia.
  • 1978-5 de Julho: Fred Akuffo derruba Ignatius Kutu Acheampong.
  • 1979- 4 de Junho: Jerry John Rawlings derruba Fred Akuffo.
  • 1981- 31 de Dezembro: Jerry John Rawlings derruba Hilla Limann.

Gabão

  • 2023- 30 de Agosto: Brice Oligui derruba Ali Bongo.

Gâmbia

  • 1994-22 de Julho: Yahya Jammeh derruba Dawda Jawara.

Etiópia

  • 1910: Ras Tessema Nadew e Fitawrari Habte Giyorgis contra a regente Imperatriz Taytu-regência do incapacitado Imperador Menelik II.
  • 1916: um grupo de aristocratas, incluindo Habte Giyorgis e Ras Tafari Makonnen, contra o Imperador Iyasu V.
  • 1974- 12 de Setembro: Aman Mikael Andom derruba Haile Selassie I.
  • 1974- 17 de Novembro: Tafari Benti derruba Aman Mikael Andom.
  • 1977- 3 de Fevereiro: Mengistu Haile Mariam derruba Tafari Benti.

Egipto

  • 1952, 23 de Julho: Muhammad Naguib e Gamal Abdel Nasser derrubam o rei Faruque I-transição da monarquia para a república.
  • 2013-3 de Julho: Abdul Fatah Khalil al‑Sisi derruba Mohamed Morsi.

Comores

  • 1975-3 de Agosto: Said Mohamed Jaffar e Bob Denard derrubam Ahmed Abdallah.
  • 1978-23 de Maio: Ahmed Abdallah e Bob Denard derrubam Ali Soilih.
  • 1989- 26 de Novembro: Said Mohamed Djohar e Bob Denard derrubam Ahmed Abdallah.
  • 1995- 28 de Setembro: Bob Denard derruba Said Mohamed Djohar (durante sete dias).
  • 1999- 30 de Abril: Azali Assoumani derruba Tadjidine Ben Said Massounde.

Congo (Congo-Brazzaville)

  • 1963- 15 de Agosto: Alphonse Massemba-Débat derruba Fulbert Youlou.
  • 1968- 4 de Setembro: Marien Ngouabi derruba Alphonse Massemba-Débat.
  • 1979- 8 de Fevereiro: Denis Sassou Nguesso derruba Joachim Yhombi-Opango.
  • 1997- 25 de Outubro: Denis Sassou Nguesso derruba Pascal Lissouba.

Burundi

  • 1966- 8 de Julho: Ntare V derruba Mwambutsa IV.
  • 1966- 28 de Novembro: Michel Micombero derruba Ntare V.
  • 1976- 10 de Novembro: Jean-Baptiste Bagaza derruba Michel Micombero.
  • 1987- 9 de Setembro: Pierre Buyoya derruba Jean-Baptiste Bagaza.
  • 1996- 25 de Julho: Pierre Buyoya derruba Sylvestre Ntibantunganya.

Burkina Faso

  • 1966- 3 de Janeiro: Sangoulé Lamizana derruba Maurice Yameogo.
  • 1980- 25 de Novembro: Saye Zerbo derruba Sangoulé Lamizana.
  • 1982- 7 de Novembro: Jean-Baptiste Ouédraogo derruba Saye Zerbo.
  • 1983- 4 de Agosto: Thomas Sankara e Blaise Compaoré derrubam Jean-Baptiste Ouédraogo.
  • 1987- 15 de Outubro: Blaise Compaoré derruba Thomas Sankara.
  • 2022- 30 de Setembro: um golpe de Estado derruba o presidente interino Paul-Henri Sandaogo Damiba-a insurreição islâmica e a incapacidade de lidar com ela serviram de pretexto para Ibrahim Traoré assumir o poder.

Benim

  • 1963-28 de Outubro: Christophe Soglo derruba Hubert Maga.
  • 1965- 27 de Novembro: Christophe Soglo derruba Sourou-Migan Apithy.
  • 1967- 16 de Dezembro: Maurice Kouandete derruba Christophe Soglo.
  • 1972- 26 de Outubro: Mathieu Kérékou derruba Justin Ahomadegbe-Tometin.
  • 2025: tentativa de golpe de Estado-anunciada por 13 militares- salgando a instabilidade.

Argélia

  • 1962 (Julho–Setembro): o denominado “Clã de Oujda”, liderado por Ahmed Ben Bella e Houari Boumédiène, depõe o Governo Provisório da República Argelina.
  • 1965-19 de Junho: Houari Boumédiène derruba Ahmed Ben Bella.
  • 1992-11 de Janeiro: Khaled Nezzar e o Exército Argelino forçam o presidente Chadli Bendjedid a renunciar, cancelam as eleições e instalam o Alto Conselho de Estado Argelino.

Zimbábue

  • 2017-15 de Novembro: Emmerson Mnangagwa derruba Robert Mugabe.

Por que tantos golpes?

Depois desta longa peregrinação pelas nossas rupturas, emerge a pergunta inevitável: por que razão África vive ciclicamente estas crises? A resposta, embora complexa, tem raízes visíveis e repetidas.

Os golpes prosperam onde as instituições são frágeis, onde lideranças confundem o Estado com propriedade privada, onde eleições deixam de ser celebração democrática e onde tribunais se vergam ao peso de pressões. Quando o contrato social se parte, o golpe floresce como capim depois da chuva.

A este cenário,  junta-se a desigualdade que sufoca a juventude, o custo de vida que esmaga famílias, os serviços públicos que falham onde mais fazem falta. Nesse contexto, surgem militares apresentados como “salvadores”, mas que quase nunca trazem cura, apenas mais um capítulo da mesma tragédia.

Há ainda a intervenção externa: disputas por recursos, interesses geopolíticos, interferências silenciosas que alimentam instabilidade quando lhes convém.

No fim, esta é a batalha crónica do continente: erguer Estados representativos, justos e capazes de transformar esperança em ritmo diário.

O caminho possível

É urgente tratar as causas, pois o  poder é transitório, todos o encontram e, inevitavelmente, todos o deixam. Quem vence deve governar com transparência, quem perde deve afastar-se com dignidade. Só assim o bem comum supera o ego que mora no coração de muitos e muitos filhos desta terra.

O continente precisa de:

• Governos fiscalizados;

• Tribunais independentes;

• Parlamentos actuantes;

• Forças armadas que não se deixam instrumentalizar;

• Eleições transparentes;

• Cidadania forte;

• Imprensa livre etc.

Ao mesmo tempo, é indispensável enfrentar o núcleo da crise económica: reduzir desigualdades, investir na educação, abrir caminhos para os jovens e gerir recursos naturais com justiça e visão de futuro.

A solução é simples na teoria e árdua na prática: construir Estados que inspirem confiança, para que um golpe de Estado deixe de parecer atalho e seja reconhecido, por todos, como a ruptura que realmente é,  um retrocesso incompatível com o futuro que África merece.

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