ENTRE EXPECTATIVAS E NOVIDADES NO DISCURSO DO LÍDER

Após longos anos de labuta, num dia luminoso e imprevisível, o líder entrou na empresa com o semblante de quem traz no bolso uma revelação. Pediu à secretária que chamasse todos os colaboradores, pois desejava partilhar uma novidade que, dizia ele, só merecia ser ouvida quando todos estivessem sentados na sala de reuniões.

A secretária, intrigada, arriscou perguntar se poderia adiantar um pingo do assunto, mas o líder, com aquele ar enigmático que só os mestres da calma possuem, respondeu:

- Saberá tudo assim que todos estiverem reunidos.

Como é típico da alma humana quando o silêncio antecede o desconhecido, começaram as especulações pelos corredores e pelas mentes:

-Será promoção?

-Aumento salarial?

-Novos funcionários?

-Entrada de sócios?

-Ou o chefe vai viajar e deixar alguém a interinar?

Perguntas iam e vinham, mas ninguém imaginava sequer a sombra do que estava para acontecer.

Um detalhe roubou de imediato o ar da sala: naquele dia, o líder não ocupou a sua cadeira habitual. Pediu que um dos colaboradores se sentasse no seu lugar.

O gesto, simples, mas simbólico, fez a sala prender o fôlego. O colega sorriu, talvez a imaginar que aquela cadeira, por um breve instante, antecipava o futuro e muitos partilharam a mesma suspeita.

O líder distribuiu água a todos e, como se inaugurasse um novo capítulo, em cada lugar havia uma agenda novinha e uma esferográfica pousada, quase como um convite para reescrever a própria história.

Levantou-se. Endireitou o corpo e  começou:

“A nossa história começa ainda no ventre das nossas mães. Viemos ao mundo entre o choro e a coragem, e desde aí cada dia tem sido uma construção, feita de alegrias que nos empurram e tristezas que nos moldam. Crescemos entre escolhas, circunstâncias e oportunidades que não pedimos, mas abraçamos.

Eu, desde pequeno, carreguei um sonho: ser líder. Não um líder de medalha ao peito, mas um líder humanista, que olha para cada pessoa como parte essencial da sua caminhada.

Recordo-me dos longínquos anos 90. O estrondo dos canhões ainda se ouvia, a população fugia em busca de paz, e muitos partiram para defender a mãe-pátria… outros partiram para sempre.

Foram tempos duros. A pomba branca tardou, mas quando voou, trouxe de volta um sorriso à maioria.

Para termos o que comer, a luta era diária: um pai operativo que, nas folgas, corria para o mercado; uma mãe que comercializava o que podia e  nós, os filhos, a procurar bidões no lixo para vender petróleo. Nem sempre havia comida na panela, mas havia força no coração.

Mesmo assim, nunca cruzei os braços. Estudei à luz de vela, com cadernos gastos, mas com uma vontade que nem a escuridão podia travar. Fiz desporto, cantei, experimentei outras artes… nenhuma me tornou rico, mas deu-me visibilidade e experiência.

Percorri avenidas sem um kwanza no bolso, caminhei distâncias gigantes em nome do conhecimento. Fiz estágios longos, sem remuneração, porque a minha fome era outra: a de crescer e progredir.

A honestidade sempre foi o meu trilho. Apoiei causas justas, dei o pouco que tinha, e nunca abandonei o lado religioso, o associativismo, a entrega ao colectivo…

As barreiras foram muitas  e as piores vieram de perto. Ouvi frases que ferem:

"Desiste.

Não estás a ver resultados.

Faz outra coisa."

Mas continuei. Sempre continuei e mesmo quando as  portas se fechavam depois de se abrirem, eu caminhava até encontrar outra.

Errei, sim e  paguei pelos erros, mas ganhei algo maior: experiência.

Ela ensinou-me a ver o mundo com foco e a não seguir caminhos fáceis, desses paliativos que dão frutos rápidos mas podres. Chorei, disfarcei, tropecei, fui traído até por quem ajudei… mas nunca parei.

Eu não nasci em berço de ouro, nem cresci em palácio comunitário. Cada degrau que subi foi construído com as oportunidades que agarrei com unhas e dentes e se eu tivesse a visão que tenho hoje… talvez certos caminhos fossem mais leves. Mas não menos valiosos.

Numa noite qualquer, recebi o convite para integrar um projecto novo. Aceitei sem hesitar e  juntos construímos este império. Comecei como muitos: pequeno, mas com uma vontade que fazia sombra a qualquer obstáculo: ajudar a empresa a crescer.

Chegar onde estou, foi mérito, trabalho, persistência. Foi acordar cedo e sair tarde. Foi acreditar quando ninguém acreditava.

Hoje, somos uma equipa ampla, uma marca respeitada, desejada, orgulho nacional para muitos e inspiração para tantos outros.

E, é aqui, diante de vós, que digo:

Não desistam dos vossos sonhos, desde que eles construam e não destruam.

Cuidem do património alheio como se fosse vosso. Esta empresa é a nossa segunda casa, é um bem valioso, um local onde muitos construíram sonhos. Aqui passamos grande parte das nossas vidas, por isso, caminhemos de mãos dadas.

Alguns dizem que sou sortudo. Que não sofri. Que tinha padrinhos.

Não. Comecei pequeno e sei que, nesta sala, há histórias mais duras que a minha. Por isso vos encorajo: lutem. Persistam e inspirem quem vier depois de vós.

Enquanto falava, alguns colaboradores olhavam fixamente, outros escreviam, alguns pousavam o rosto nas mãos e outros ainda sorriram. Um pequeno grupo deixou cair lágrimas silenciosas, como quem resgata memórias dentro do peito.

Depois de um minuto de silêncio, o líder ergueu o rosto, cumprimentou cada pessoa com um aperto de mão e um abraço firme, e concluiu:

Esta é a minha saudação fraternal, para cada um dos heróis que se encontra neste espaço, neste dia histórico. Cada um de vós fez de mim o líder que sou: respeitado, maduro, humano,  fruto dos vossos conselhos, da vossa confiança e da vossa resiliência. Unidos, somos maiores. Unidos, vamos mais longe.”

Respirou fundo e anunciou a tão esperada novidade:

“A partir de hoje, a nossa empresa tem representação em dois países,  um em África e outro na Europa. Seremos liderados por colegas nossos, que estão sentados neste local,  acompanhados por quadros de outros territórios. É um novo capítulo e,  é de todos nós.

Avancemos, com garra, com fé,  com o foco no progresso colectivo. A nossa história é a prova viva de que juntos fazemos impérios”.

Naquele fim de manhã que parecia igual a tantos outros, a sala testemunhou mais do que um anúncio empresarial: viu-se diante de um legado em movimento, um espelho onde cada colaborador podia encontrar a sombra do seu próprio começo e o brilho possível do seu amanhã.

Entre agendas novas e sonhos que agora ganham carimbos internacionais, ficou no ar uma certeza doce e teimosa: as grandes histórias não nascem de heróis perfeitos, mas de pessoas que insistem, caem, levantam-se e voltam a tentar até que um dia a vida recompensa a teimosia com horizontes mais largos.

Ao saírem da sala, cada passo tinha outro peso, outra luz. Era como se a empresa inteira respirasse um futuro que, de repente, já não parecia distante, mas ao alcance das mãos. Um futuro que não se escreve sozinho, mas em voz colectiva, a tinta de coragem, suor e esperança, porque, no fim, a verdadeira novidade não era a expansão para dois continentes.

A verdadeira novidade era perceber que, naquela sala, todos, absolutamente todos, tinham acabado de ser promovidos ao estatuto silencioso de co-autores de um império em construção.

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