A CRÓNICA DA EMBRIAGUEZ
Na madrugada de sábado, encontrei a minha crónica de rastos. Uma parte dela repousava na paragem de táxi nas imediações da Vila do Gamek, outra arrastava-se à saída de um salão de festas, no município da Samba.
Em frente à paragem de táxi, nas imediações da Vila do Gamek, um senhor espera pelo táxi, com o corpo vacilante e os olhos semicerrados de sono. As palavras saíam-lhe arrastadas, como se fosse uma criança a ensaiar os primeiros sons. A dose consumida na véspera era visível: a crónica tropeçava, confundia os passos e ensaiava uma dança sem música. Olha, ninguém ouvia semba, nem Kuduro, mas todos viam a coreografia imaginária por volta das 8h00.
A cena não é nova em Luanda. Todos os fins-de-semana, multiplicam-se crónicas semelhantes nas ruas da capital angolana: jovens a cambalear junto aos contentores, homens adormecidos em cima de passeios, mulheres em táxis colectivos sem noção do destino; é a embriaguez que ocupa as esquinas, transforma festas em dramas e, muitas vezes, abre caminho a actos ilícitos.
Um certo cidadão, habituado a “abastecer o depósito humano até ao limite”, caiu à porta de casa, adormeceu junto de um contentor e acordou sem telemóvel, sem carteira e sem documentos. Jurou, depois disso, nunca mais encher o depósito naquelas bombas de combustível disfarçadas de bares.
Numa outra situação, uma mulher, aparentemente na casa dos quarenta anos, precisou de auxílio para se deslocar. Os seus sapatos de salto alto foram retirados e carregados por uma amiga. As duas avançavam a passos lentos, como uma viatura com problemas mecânicos.
Não há semanas que não surgem relatos de acidentes de viação cuja causa, muitas vezes é associada a este imbróglio: os danos, humanos e materiais, acumulam-se.
Além de destruir lares e relações interpessoais, este comportamento sobrecarrega os hospitais e contribui para o aumento de casos de violência, doenças crónicas e outras complicações.
Já vi a senhora crónica embriagada na escola, no templo e no local de trabalho.
Oh, senhora crónica, será que um dia aprenderás a controlar a dose? A matemática é simples: somar prazeres, dividir limites, subtrair tentações. O resultado pode ser um corpo são e uma mente lúcida, porque a embriaguez não é apenas uma escolha individual, é também um problema social que se espraia pelas ruas, das discotecas de luxo aos musseques, dos bares de praia às portas dos templos.
É tempo de reflectir.
Por detrás de cada corpo tombado na rua, há uma história por contar, um lar à espera, uma família preocupada, uma vida que pode estar a desmoronar silenciosamente. A embriaguez, muitas vezes banalizada como simples fuga ou diversão, é também um grito abafado, uma dor calada ou um vazio não resolvido.
Enquanto continuarmos a encarar o álcool apenas como parte da festa e não como um possível sinal de alerta, estaremos a fechar os olhos a um problema que, dia após dia, rouba dignidade, saúde e até vidas.
Talvez seja hora de estendermos a mão, em vez de apontar o dedo, de vermos, nos rostos embriagados das ruas, não apenas o excesso, mas também a urgência de cuidar do outro e de nós próprios.
Porque, no fim, a cidade só estará de pé quando todos os seus filhos deixarem de cair.











































