CRÓNICA DA CIDADE QUE ANDA COM A REVOLUÇÃO DAS PERNAS
O alarme tocou. Era hora de acordar, mas os olhos pesavam como se carregassem o mundo inteiro, e o corpo, esse, mendigava mais uns minutos de sossego. A mente, no entanto, gritava, como quem sabe que a cidade não espera.

O clima estava fresco. A água… melhor nem imaginar. Mas o dever chamava e o tempo, esse senhor inflexível, empurrava-me para fora dos lençóis. Entre aquecer a água ou encarar a frescura, venci-me pela coragem: vamos ao exercício. A boa disposição regressou logo que o choque térmico me arrancou da letargia.
Depois de me preparar, algo quente no estômago não faltou e um até breve à família foi o outro passo. No caminho para a paragem, deparei-me com um cenário insólito: muita gente a andar a pé, e os táxis... vazios. Apenas os motoristas lá estavam, à espera, encostados às portas, de olhos inquietos.
“Será feriado?”, pensei. Mas logo me lembrei: estou sempre ligado, num clique apenas, e não havia nenhuma notícia disso. Olhei em volta, desconfiado. “Será treino para a São Silvestre?”, o humor que me resta logo pela manhã.
Decidi entrar na dança e acompanhar a corrente de passos. Ao virar da esquina, reencontrei alguém que não via há anos. Os olhares cruzaram-se e os sorrisos surgiram, espontâneos como a brisa matinal. Saudámo-nos com alegria e seguimos caminhos opostos, desejando reencontrar-nos noutra alvorada.
Mais adiante, já noutra paragem, observei melhor a maratona matinal: viaturas e pessoas competiam por espaço e tempo. Uns com auriculares, outros com o pensamento no ar. Havia pressa nos pés e vazio nos assentos dos taxistas. O frio pedia companhia, mas os assentos continuavam a clamar por passageiros.
E ali percebi. Não era feriado, nem corrida de fim de ano. Era matemática urbana em acção.
Com o litro do combustível a ganhar vaidade e o papel com foto a minguar, muitos decidiram fazer contas à vida. Onde antes se apanhavam três ou quatro táxis, agora reduziu-se a dois ou até um. O resto é feito a pé, com o suor da manhã e a fé nos tornozelos.
Lembrei-me dos meus antigos professores de matemática. Até parecia ver os gráficos: quilómetros percorridos x kwanzas poupados. A cidade transformou-se num grande quadro, onde se desenha a sobrevivência com giz de esforço.
Alguns, exaustos, chegam a casa com os pés em brasa, talvez uma massagem improvisada resolva. Outros fazem do caminho uma filosofia, um protesto silencioso contra o preço do viver.
A competição entre o motor natural e o motor industrial continua. No geral, as viaturas ganham. Mas nem sempre. Vi candongueiros a soluçar, a deitar fumo, a precisar de empurrão. A cidade também cansa.
O combustível tornou-se ouro líquido. Quem o quer, paga caro. Quem o vende, conta que suou para o ter, dizem que nasceu após nove meses de espera. E nós? Ficámos no meio do percurso: entre o andar e o pagar, entre o chegar e o resistir.
Alguns preferem escrever. Outros gritar e há os que simplesmente caminham, porque na avenida da vida, o foco nem sempre é o mesmo, mas o destino é comum: sobreviver com dignidade.
A viagem é longa e de lá, nasceu a crónica da cidade que anda com a revolução das pernas!
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