CORPOS EM EXPOSIÇÃO EM TROCA DE UM MINUTO DE FAMA

Regularmente surgem comentários nos corredores digitais, com referência que, alguém teve o seu vídeo íntimo exposto, alguém pediu para ser filmada, alguém acreditou que a nudez pública seria a porta dourada para a fama. No fim do espectáculo, sobra apenas uma coisa, uma imagem descredibilizada e um silêncio pesado depois do barulho.

Vivemos tempos estranhos, em que a intimidade é despejada diariamente na aldeia global, sacrificada no altar do imediatismo e da ânsia por notoriedade. A fama virou fast food: consome-se depressa, mas deixa sequelas profundas.

Há limites que não deviam ser ultrapassados e existe valores que sustentam qualquer sociedade que pretenda manter-se inteira, de pé e com espinha dorsal. A sede de visibilidade tem levado algumas jovens  e até adolescentes a arriscar a própria dignidade, porque acreditam, ou alguém as fez crer, que o caminho da exposição íntima as colocará no pódio da atenção pública.

É doloroso constatar que, depois do escândalo, muitas acabam por ser promovidas a “influenciadoras digitais”, sem conteúdo que sustente a fala, mas com audiências que muitos cidadãos íntegros jamais tiveram. Influenciam negativamente, são aplaudidas em grandes palcos e legitimadas por quem devia, no mínimo, chamar as coisas pelo nome. Infelizmente a falta de valores tem em mutos casos, viralizado muito mais que um  percurso digno.

Nos últimos dias, multiplicaram-se casos de adolescentes e jovens envolvidas nos mesmos comportamentos. Talvez se sintam lisonjeadas ao ouvir os seus nomes repetidos, mas alguém precisa dizer-lhes, sem filtros: não é no bom sentido. Perderam valor simbólico, expuseram as famílias e feriram uma sociedade que ainda acredita, sim,  em princípios de convivência, respeito e responsabilidade.

Toda a conduta que viole esses princípios deve ser responsabilizada. Não podemos continuar a romantizar comportamentos que corroem o tecido social. Um dia, as consequências serão mais severas, porque muitos acabarão por acreditar que este é o caminho ideal para o sucesso e,  quando o erro vira método, o futuro fica hipotecado.

Em menos de um mês, recebi relatos de jovens que se dizem influenciadoras digitais ou artistas cujos vídeos íntimos foram parar ao espaço público. Uma delas chegou a confessar ao parceiro (não sei se é o companheiro fixo ou de ocasião), que desejava a divulgação do vídeo. É o triunfo do imediatismo sobre o discernimento. Uma autêntica vergonha. Pior ainda: houve quem lutasse para ter os vídeos na sua posse, como se fossem troféus digitais.

Já conhecemos o final deste filme: pode não ser hoje, mas um dia estas jovens sentirão vergonha e emitir-se-ão comunicados a pedir a remoção dos conteúdos, temendo que os filhos vejam o rasto deixado pela juventude.

Não se esqueça: o passado não apaga, apenas espera.

E o mais grave? Continuam impunes. Ri-se a impunidade, de óculos transparentes, como se usasse uma coroa de rainha. Estas jovens poderão amanhã ser professoras dos nossos filhos, líderes de organizações, figuras públicas ou até aspirantes à política e,  aí lembrar-se-ão, tarde demais, de que afinal o passado também importa. Tomem nota!

Não imaginam  ou fingem não imaginar, a vergonha que as aguarda quando perceberem que futuros sogros, professores, colegas de trabalho, vizinhos e até fãs já viram o que devia ter ficado entre quatro paredes. As novidades acabam antes de começarem e os predadores digitais fazem festa, multiplicando o conteúdo como quem colecciona miséria humana.

A festa estende-se ainda aos gabinetes de certos adultos que alimentam este ciclo, oferecendo dinheiro para encontros às escuras, usando como moeda a fragilidade de jovens que confundem atenção com valorização. Aqui, o problema já não é só moral, é estrutural.

A verdade é dura e não pede licença: quando o corpo se transforma em produto no mercado digital, perde a aura, perde o mistério, perde o valor e quem mais perde é a sociedade, forçada a assistir a este deslizar colectivo para o abismo da indiferença ética.

O imediatismo está a devorar o carácter. Podemos chegar ao topo, sim, mas sem  atropelar princípios, nem tão pouco deixar a alma pelo caminho.

O país precisa de modelos, não de modas descartáveis. Precisa de carreiras construídas com rigor, talento e disciplina, capazes de inspirar as gerações que vêm aí.

Senhores, senhoras, adolescentes e adultos: comportamentos desviantes que envolvam a divulgação de conteúdos íntimos devem ser severamente punidos, não por moralismo barato, mas por justiça, protecção e responsabilidade social. O problema cresce porque muitos adultos alimentam esta engrenagem, actuam como agentes do escândalo, compram presenças e intimidades como quem compra silêncio.

Precisamos, urgentemente, de incentivar narrativas de sucesso baseadas no mérito, não no escândalo. A sociedade merece melhor e  o futuro, esse juiz implacável, está sempre de olhos abertos.  

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