A PRAÇA PÚBLICA DIGITAL E OS SEUS SACRIFÍCIOS

Na era da praça digital, cada clique é um acto público e pode custar-nos mais caro do que imaginamos.

Vivemos tempos estranhos. Basta um passeio rápido pelo feed para ficarmos com as mãos na cabeça e perguntar: até onde já chegámos? E pior, para onde é que queremos ir?

Em nome de “likes”, seguidores e comentários, muitos deixaram de apostar em publicações que acrescentem valor ou ajudem a sociedade a crescer. O imediatismo virou norma e, para alguns, a nudez e o escândalo tornaram-se atalhos para a tão desejada atenção.

Fotografias e vídeos que não conseguimos ver ao lado dos nossos filhos, danças de conteúdo obsceno, desafios perigosos, tudo é servido num cardápio que se consome em segundos, mediante um clique, mas que deixa marcas profundas.

Até aqueles que se autointitulam “influenciadores digitais” recorrem, muitas vezes, a conteúdos com o apelo sexual ou a polémicas fáceis, promovendo promiscuidade e uma falsa sensação de liberdade, como se a internet  fosse terra sem lei, mas convém parar e pensar: qual é o impacto de tudo o que tornamos público?

Um dia, muitos vão sentir vergonha do que publicaram. Alguns tentarão apagar o passado digital, mas será tarde: o que vai para a internet espalha-se rápido e é impossível de controlar.

Já ouvi desabafos em Angola de pessoas que inicialmente divulgaram conteúdos e com  o decorrer do tempo, surgiram publicamente com apelos: “Por favor, apaguem aquele vídeo, não foi a minha intenção.” Mas era tarde demais, pois, o vídeo já havia viajado em vários aparelhos.

Podemos  e devemos, ser referências, com publicações que eduquem e inspirem. O que colocamos nas redes sociais ajuda ou destrói? Faz crescer ou adoece a sociedade?

Não esqueçamos que, do outro lado do ecrã, pode estar alguém a observar: o chefe de Recursos Humanos, o futuro sogro ou a futura sogra, o próximo patrão ou aquele irmão de fé. A rede é um palco, e há sempre quem esteja a assistir, pronto a julgar.

Exemplos que deram que falar

Para percebermos que não se trata de mera teoria, vejamos casos que abalaram carreiras no mundo inteiro:

  • Kevin Hart, humorista norte-americano, perdeu a oportunidade de apresentar os Óscares em 2019 quando piadas antigas, consideradas homofóbicas, ressurgiram. O pedido de desculpas não foi suficiente para a reversão do quadro.
  • James Gunn, realizador de Guardians of the Galaxy, foi afastado pela Disney quando tweets antigos foram desenterrados. Só após enorme pressão pública foi recontratado.
  • Monark, criador do popular Flow Podcast, viu contratos e patrocínios cancelados após declarações polémicas.
  • Paula Oliveira, advogada brasileira na Suíça, inventou em 2009 um ataque neonazi e publicou fotos nas redes sociais. Descoberta a farsa, foi condenada, perdeu o emprego e foi multada.

Olhando para o contexto angolano, surgem regularmente relatos de vídeos e imagens virais que resultaram em suspensões laborais, processos disciplinares, demissões e até perda de seguidores por parte de certas figuras públicas.

Todavia, é hora de adoptarmos uma postura diferente, para que construamos, uma sociedade melhor, onde os valores, a ética e o progresso estejam no centro, porque, o que publicamos hoje pode ser a vergonha de amanhã. Uma simples publicação pode custar um emprego, um contrato ou destruir relações pessoais.

 Use o clique para partilhar o que edifica, não o que destrói.

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