CASOS DE BURLA EM LUANDA: A FÉ DO CIDADÃO CONTRA A ESPERTEZA DO BURLADOR
Cidadãos denunciam casos frequentes de burla em Luanda e acusam certos líderes de confissões religiosas de estarem envolvidos em práticas fraudulentas, puníveis nos termos do ordenamento jurídico angolano.

Divina Mateus, de 28 anos, estudante do 2.º ano do curso de Filosofia, considera a burla como qualquer prática ilícita com o objectivo de alcançar dividendos de forma fácil.
“Hoje, devido às necessidades, todos se dizem professores nas redes sociais, com o intuito de burlar o pacato cidadão”, declarou.
Para a estudante, seria desejável que os burladores fossem responsabilizados nos termos da lei, embora reconheça a dificuldade, uma vez que muitos utilizam perfis falsos nas redes sociais.
A interlocutora acusa líderes de determinadas confissões religiosas de serem alguns dos principais promotores da burla em Luanda.
Segundo a mesma, jovens e adolescentes figuram entre as principais vítimas, por falta de discernimento. Aponta o imediatismo como um dos factores que leva muitos a abraçarem tais práticas.
Divina Mateus sustenta ser fundamental ter coragem de denunciar qualquer tentativa de burla, por forma a desencorajar os que escolhem este caminho.
Um caso concreto de burla
Um cidadão nacional foi recentemente vítima de burla ao tentar adquirir dólares através de um grupo no WhatsApp, do qual fazia parte há cerca de dois meses.
Contou ter sido adicionado ao grupo por alguém que não conseguiu identificar e, mais tarde, apercebeu-se de que os administradores supostamente vendiam esta moeda estranheira, aos cidadãos que tenham valores em kwanzas.
“Tudo é feito dentro do grupo”, afirmou.
Apesar de já ter fornecedores de confiança, com quem fazia as transacções, foi aliciado pelo preço mais baixo.
O entrevistado, que preferiu o anonimato, decidiu arriscar, tendo enviado aproximadamente 12 mil kwanzas. Explicou que, ao manifestar a sua intenção a um dos administradores, foi prontamente atendido. Contudo, após a transferência do valor, foi imediatamente bloqueado.
Questionado se conhecia o indivíduo, respondeu negativamente.
“Pescou-me noutro grupo de venda de dólares”, esclareceu.
Segundo o lesado, o grupo chamava-se “Mercado Informal” e a imagem de perfil trazia a inscrição “Outro Negócio”.
O jovem acredita que foi eliminado do grupo para evitar que alertasse outros membros, num espaço onde frequentemente são adicionadas novas pessoas.
Casos de burlas divulgados pelas autoridades
A título de exemplo, no ano passado, um cidadão de 56 anos, residente na província de Benguela, foi detido por suspeita de ter burlado mais de 10 milhões de kwanzas, sob o falso pretexto de facilitar vistos para Portugal.
Implicado nos crimes de burla e falsificação de documentos, o acusado foi apanhado na posse de oito passaportes nacionais, 22 cópias de passaportes e 589 películas, supostamente destinadas à reprodução de cédulas monetárias.
De acordo com o SIC em Benguela, o indivíduo convenceu as vítimas de que possuía contactos que permitiriam a obtenção de vistos para Portugal, o que levou várias pessoas a aderirem ao suposto “negócio”.
O mesmo, cobrava entre 300 a 400 mil kwanzas por processo, tendo arrecadado, no total, cerca de 10 milhões de kwanzas através desta actividade ilícita.
Já em Janeiro deste ano, um alegado pastor da Igreja “Ministério Romério de Cristo” foi igualmente detido, acusado de ter burlado mais de três milhões de kwanzas a duas fiéis. O homem prometia facilitar formações de teologia no estrangeiro.
Em Maio, o SIC deteve duas cidadãs, entre as quais uma funcionária do Porto Pesqueiro de Luanda, suspeitas de burlar cerca de 7 milhões de kwanzas, com o pretexto de ajudar na aquisição de residências na zona do Sequele.
Outro caso remonta a Fevereiro, quando a Polícia Nacional desmantelou, na província do Icolo e Bengo, uma presumível rede criminosa responsável por recrutamentos falsos para ingresso nas Forças Armadas Angolanas (FAA).
A rede terá burlado mais de dez pessoas, exigindo montantes entre os 800 mil e um milhão de kwanzas por cada suposto recrutamento.
Ainda nos primeiros meses de 2025, o Serviço de Migração e Estrangeiros (SME) desmentiu uma informação que circulava nas redes sociais sobre uma suposta campanha nacional para a emissão de passaportes ordinários, alegadamente prevista para decorrer entre 2 e 15 de Janeiro.
De acordo com a instituição, tratava-se de uma tentativa de burla, na qual eram divulgadas tarifas enganosas e contactos telefónicos fictícios para a alegada obtenção de formulários.
Na ocasião, o SME alertou os cidadãos para se manterem vigilantes face a informações fraudulentas que circulam nas redes sociais.
Já em Março, o Tribunal da Comarca de Malanje condenou Jandira Peso, filha do antigo director do Serviço de Investigação Criminal (SIC) na província, a três anos de prisão, com pena suspensa, pelo crime de burla.
Segundo o tribunal, a acusada ludibriava cidadãos que pretendiam ingressar no SIC, no SME e no Serviço de Protecção Civil e Bombeiros, em troca de contrapartidas financeiras.
Casos semelhantes de burla têm vindo a ser registados pelas autoridades em diversas regiões do país, evidenciando uma tendência crescente de crimes cometidos tanto através das redes sociais como por via presencial.
Análise do sociólogo
O sociólogo Benedito Carlos, ao Ponto de Situação, considerou que a burla atingiu níveis preocupantes em Luanda, motivada pelas dificuldades socioeconómicas que os cidadãos enfrentam diariamente.
Para o especialista, a burla é um esquema criminoso baseado em promessas enganosas com vista à obtenção de lucros financeiros, seja na internet ou presencialmente.
“Na nossa sociedade, a prática tem ganho proporções alarmantes, sobretudo em Luanda, dada a grande concentração populacional”, explicou.
Com base na mobilidade intensa na capital, classifica Luanda como um mercado particularmente vulnerável, com denúncias recorrentes de burlas e tentativas.
O profissional garante que as causas deste acto ilícito são essencialmente financeiras. Acrescentou que a falta de emprego leva muitos a procurarem estratégias de sobrevivência, mesmo que ilícitas.
O sociólogo apontou ainda que, embora a Igreja seja uma instituição de bem que contribui para a moralização da sociedade, certos líderes religiosos surgem como promotores da burla, à luz de denúncias feitas por fiéis.
“Os chamados “burladores” são também, por vezes, pastores”, disse.
Benedito Carlos considera esta prática como um desvio moral por parte de alguns ditos servos de Deus, que enganam os fiéis, classificando-os de “oportunistas”.
“Muitos cidadãos recorrem às igrejas em busca de consolo, face à miséria extrema, mas acabam por ver os seus objectivos frustrados por indivíduos que se fazem passar por ovelhas, quando na verdade são lobos”, concluiu.
Enquadramento jurídico sobre casos de burla no país
Em declarações ao Portal Ponto de Situação, nesta terça-feira, 1.º de Julho, o jurista Isaías Evaristo explicou que, segundo o Código Penal Angolano em vigor desde 2020, a pena para o crime de burla consumada pode ir até 3 anos de prisão. Garantiu também que a tentativa de burla constitui igualmente crime, com a mesma moldura penal.
“A burla é um acto de defraudar alguém com o intuito de obter ganhos de forma ilegítima. É enganar outrem para conseguir lucros ou dinheiro por meios extralegais”, acrescentou.