DE VOADORAS INOFENSIVAS A SOBREVIVENTES DE EXPLOSÕES NUCLEARES: BIÓLOGO DESMISTIFICA PRINCIPAIS MITOS SOBRE AS BARATAS
Já ouviste dizer que, se há uma barata, há uma colónia inteira escondida? Ou que são capazes de sobreviver a uma explosão nuclear? E que se fingem de mortas? Pois bem, nem tudo o que se diz por aí sobre estas resistentes criaturas é verdade.

O biólogo Matheus D’Oran Souza desfaz alguns dos mitos mais persistentes sobre as baratas e explica por que motivo, apesar da má fama, desempenham um papel importante no equilíbrio ecológico.
“Toda barata tem asas e voa”
Nem todas as baratas têm asas e, mesmo entre as que têm, muitas não voam com frequência. A espécie mais comum nas casas brasileiras, a Periplaneta americana, possui dois pares de asas e é capaz de voar, sim, mas apenas por curtas distâncias.
“Depende da espécie. A conhecidíssima barata americana, frequentadora assídua dos ambientes domésticos, apresenta dois pares de asas e pode sim voar, embora não seja uma exímia voadora”, explica o biólogo.
Já a barata-de-Madagáscar (Gromphadorhina portentosa), comum como alimento vivo ou animal de estimação, não possui asas e, portanto, não voa. Ou seja, o voo não é regra e, para muitas, também não é preferência.
“Onde há uma, há várias”
Este mito tem algum fundamento, mas não da forma como se imagina. Ao contrário dos térmitas (cupins), que pertencem à mesma ordem (Blattodea) e vivem em colónias organizadas, a barata americana é considerada não-social.
Ainda assim, estes insectos libertam feromonas de agregação, substâncias químicas que atraem outras baratas para o mesmo local.
“Mesmo sem organização social, há grande probabilidade de encontrarmos várias baratas num único espaço, desde que haja abrigo, alimento e humidade”, explica Matheus. “Estes compostos, juntamente com os feromonas sexuais, permitem que outras sejam atraídas e o ciclo reprodutivo acelere.”
“Barata finge-se de morta”
Mito. Apesar da aparência sinistra, baratas não simulam a própria morte. Quando caem de costas e não conseguem virar-se, ficam imóveis por exaustão.
“O comportamento de se fingir de morta, conhecido como tanatose, é comum noutros animais, mas as baratas não o apresentam”, afirma o biólogo.
“Sobreviveriam a uma explosão nuclear”
Este é, talvez, o mito mais famoso. A origem remonta ao suposto avistamento de baratas entre os escombros de Hiroshima e Nagasaki. Mas a verdade é outra.
“Apesar de viverem em locais abrigados, como esgotos, e de suportarem mais radiação do que os humanos, não são invencíveis. No programa Mythbusters, baratas expostas a doses crescentes de radiação começaram a sucumbir”, conta Matheus.
Segundo o especialista, a fertilidade destes insectos é afectada com apenas mil repetições de radiação beta, muito aquém do necessário para resistir a uma explosão nuclear.
“Esmagar uma barata espalha ovos”
Depende. Algumas baratas são ovíparas e produzem uma ooteca, uma bolsa rígida onde se desenvolvem os ovos. Outras são ovovivíparas, com os ovos a crescerem dentro do corpo da fêmea.
“Ao esmagar uma barata, é possível que o conteúdo do abdómen seja expelido, incluindo ovos. Mas isso não significa que irão vingar”, explica Matheus.
Se for ovovivípara, os ovos provavelmente não sobrevivem. No entanto, se a ooteca estiver intacta e em ambiente propício, os filhotes podem, sim, eclodir.
“Baratas só aparecem por falta de limpeza”
A higiene é essencial, mas não é o único factor. Temperaturas elevadas e humidade favorecem a actividade das baratas. Mesmo em casas limpas, estruturas com frestas, entulho ou esgotos expostos podem atrair os insectos.
“A ausência de limpeza é um factor agravante, mas não único. Eliminar restos de comida, lixo e entulho reduz drasticamente as probabilidades de infestação”, salienta o biólogo.
“Baratas são nojentas, mas inofensivas”
Nem tanto. A repulsa causada por estes insectos é, também, uma resposta sanitária.
“Estão associadas a ambientes altamente contaminados, como esgotos e aterros. Podem transportar bactérias e agentes patogénicos”, alerta o especialista.
“Não servem para nada”
Um dos mitos mais injustos. Para além de servirem de alimento a muitos outros animais, as baratas desempenham um papel crucial na decomposição da matéria orgânica.
“Ajudam a reciclar nutrientes e são importantes no ciclo do nitrogénio, essencial à fertilidade do solo”, diz Matheus.
“Muita gente tem uma visão utilitarista da vida animal, se não serve para mim, não tem valor. Mas os animais não precisam da nossa aprovação para existirem. Simplesmente fazem parte dos seus nichos, e cumprem o seu papel na natureza”, sublinhou.