ENTRE O ASSOBIO E A VERGONHA: O NOVO NORMAL DÁ O SEU SHOW
Sentado em casa, enquanto ouvia as cassetes do antigamente, daquele tempo em que eu ainda nem havia sido planificado, surgiu-me, de repente, a ideia de reflectir sobre a minha terra: do asfalto à terra batida.

Foi neste exacto momento, que recuei a “cassete da imaginação”, e recordei que nos últimos anos, tem-se multiplicado um fenómeno preocupante em várias comunidades angolanas: a ascensão de um modelo de popularidade à custa do corpo exposto, do escândalo e da vulgarização.
Várias figuras públicas femininas e aspirantes têm transformado o seu corpo num palco, onde o que se exibe não é talento, nem postura, mas sim pele e provocação.
Esta tendência, visível em festas, lives, videoclipes e espectáculos públicos, não está isolada. Ela alimenta-se da aceitação social, do silêncio dos mais velhos e do incentivo de muitos homens que, entre um assobio e outro, contribuem para normalizar o desrespeito e a hipersexualização.
Na ânsia por “likes”, seguidores ou convites, estas jovens, muitas sem referências saudáveis, seguem as pegadas de outras que usam a aparência como trampolim para pequenos privilégios: festas privadas, prendas caras, fama momentânea.
O problema? O impacto profundo que isso tem nas adolescentes e jovens também. A nova geração está a aprender que “ser famosa” basta mostrar o corpo, dançar obscenamente e atrair atenção.
Casos recentes circulam como epidemia digital: adolescentes em kupapatas sem camisa, rapazes a simular actos sexuais em plena via pública, vídeos gravados por terceiros e partilhados com risos, com indignação de pouquissimas pessoas, enquanto uns aplaudem a festa.
Há pouco tempo, num espectáculo em uma das províncias do meu país, uma dançarina, com menores na plateia, foi autorizada pelo artista a exibir-se de forma completamente indecorosa. No delírio do público, com autorização do “animador”, com telemóveis a gravarem, passa a mão aos órgãos genitais do indivíduo. O que deveria ser censura virou entretenimento.
Estamos a educar as nossas filhas para serem corpos e não cabeças.
E os nossos filhos para serem predadores e não parceiros.
O que se perde é mais do que decoro: perde-se o futuro.
A família perdeu autoridade.
A igreja fala, mas já não chega aos ouvidos.
Não podemos continuar a assobiar e a fingir que nada se passa, por isso, é urgente que unamos ideias, esforços, acções concretas, que visem alterar o quadro.
Não podemos normalizar o ridículo.
Não podemos aceitar que adolescentes e jovens achem que têm de mostrar o corpo para serem alguém.
O amanhã não se constrói com corpos em palco, mas com valores na mente e no coração.
A sociedade deve deixar de assobiar… e começar a agir.