O CAIM DO NOVO TEMPO
Hoje, detenho-me num episódio antigo que continua a atravessar os séculos, a força da inveja, a violência que nasce quando o reconhecimento do outro é vivido como ameaça, e a responsabilidade inescapável que cada um carrega para com o seu próximo.
Voltemos à narrativa do Génesis.
Caim e Abel, filhos de Adão e Eva. Abel, pastor, ofereceu a Deus as melhores crias do rebanho; Caim, lavrador, apresentou frutos da terra. Deus acolheu com agrado a oferta de Abel, mas não a de Caim, porque o primeiro deu de coração.
Ferido pelo ciúme, devorado pela inveja, Caim deixou que a sombra lhe tomasse o coração. Num campo, chamou o irmão e matou-o. Este foi o primeiro homicídio registado pela humanidade, segundo a Bíblia.
Quando Deus lhe perguntou pelo irmão, Caim respondeu:
“Sou eu, porventura, o guarda do meu irmão?”
Mas Deus já sabia o que havia acontecido…!
Este relato é antigo, mas a realidade repete-se, visível até hoje.
Continuamos a viver num tempo em que muitos são Abéis e milhares são Cains.
O Caim do novo tempo já não mancha as mãos de vermelho nos campos. Ele veste fato e gravata, ou t-shirt de marca; caminha entre nós, observa os passos do outro e transforma a inveja em intriga, em mentira espalhada de boca em boca, em indiferença perante a dor alheia.
O Caim moderno vive como caranguejo: enquanto o outro tenta subir, puxa-o de volta ao fundo. Quer brilhar sozinho, inventa estórias para manchar a honra alheia, desestabiliza grupos, e, por interesses obscuros, reduz a pó laços e estruturas inteiras.
Nem sempre mata o corpo do Abel, mas corrói-lhe o carácter, sabota-lhe o caminho, mina-lhe o futuro.
O Caim desta geração, apresenta sorrisos falsos e palavras doces, mas por trás esconde a lâmina da inveja. É aquele que exibe a cabeça ao sol, mas cuja cauda rasteja na sombra, mas também há o Abel do novo tempo, o indivíduo que insiste em fazer o bem, que ergue pontes em vez de muros, que acredita no progresso colectivo mesmo quando a tempestade sopra contra si;
é o vizinho solidário, o colega que apoia, o amigo que celebra a vitória alheia como se fosse a sua.
Urge, pois, semear uma outra sociedade, fundamentada no amor, tecida na unidade, cultivada no respeito mútuo, uma terra onde cada conquista seja vista como património de todos, onde os filhos saibam honrar processos, aceitar etapas e aplaudir o sucesso do próximo.
Só assim poderemos desarmar o novo Caim, que mora no coração de milhares de pessoas; só assim nascerá a sociedade nova que ainda espera florescer e só assim teremos relações interpessoais salutares.
Sejamos o elo para o desenvolvimento colectivo, baseado no amor!
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