CRISE EM MADAGASCAR: UNIDADE MILITAR AFIRMA TER ASSUMIDO PODER
Após jovens tomarem as ruas para protestar contra cortes de energia e falta de A crise política em Madagascar entrou esta terça-feira numa nova fase, depois de uma unidade de elite das Forças Armadas, a Capsat, ter anunciado que o Exército assumiu o poder, na sequência de violentos protestos populares contra a falta de água e os constantes cortes de energia eléctrica.

O anúncio ocorre poucas horas após o Parlamento ter votado o impeachment do presidente Andry Rajoelina, acusado de abandono de funções. O chefe de Estado fugiu do país no domingo, dias depois de a Capsat se ter aliado aos manifestantes e declarado publicamente a sua oposição ao governo.
De acordo com o coronel Michael Randrianirina, porta-voz da unidade, foi constituído um Conselho de Segurança Nacional encarregado de assegurar as funções presidenciais até à nomeação de um primeiro-ministro e à formação de um governo civil.
Entretanto, líderes militares anunciaram igualmente a suspensão do Senado, da Corte Constitucional, do Conselho Eleitoral e de outras instituições do Estado.
Protestos Crescentes e Apoio Militar Decisivo
As manifestações iniciadas a 25 de Setembro transformaram-se numa das maiores mobilizações da história recente de Madagascar. O movimento, dominado por jovens, começou como protesto contra a precariedade dos serviços básicos e degenerou em exigências de demissão do presidente.
A crise ganhou novo fôlego quando a Capsat, tradicionalmente responsável pela logística e pelo apoio administrativo das Forças Armadas, decidiu apoiar o movimento e recusar ordens vindas do Palácio Presidencial.
“A partir de agora, todas as ordens militares, sejam terrestres, aéreas ou navais, emanam do quartel-general da Capsat”, declararam oficiais num vídeo divulgado no sábado.
No dia seguinte, a unidade nomeou o general Demosthene Pikulas como novo Chefe do Estado-Maior do Exército, numa cerimónia presenciada pelo então ministro das Forças Armadas. Os militares apelaram à recusa de “quaisquer ordens para disparar sobre manifestantes”.
Perante o avanço da revolta, Rajoelina denunciou o que descreveu como uma “tentativa de tomada ilegal do poder pela força, contrária à Constituição e aos princípios democráticos”, antes de abandonar o território nacional, afirmando estar “num local seguro”.
Segundo dados das Nações Unidas, pelo menos 22 pessoas morreram e mais de 100 ficaram feridas desde o início dos protestos. O presidente deposto contesta estes números, alegando que apenas 12 mortes ocorreram e que as vítimas eram “saqueadores e vândalos”.
Raízes da Revolta: Água, Luz e Corrupção
A insurreição malgaxe começou como um protesto espontâneo contra as falhas constantes de abastecimento de água e electricidade, mas rapidamente se transformou num movimento social de largo alcance, impulsionado por jovens da geração Z.
Organizados através das redes sociais, com destaque para o Facebook e o TikTok, os manifestantes criaram o movimento Gen Z Madagascar, que exige o fim da corrupção e melhores condições de vida.
“Queremos soluções reais para os problemas da Jirama [empresa estatal de energia e água]. Cortes intermináveis, água imprópria e fios energizados tornaram-se parte do nosso quotidiano. Os cidadãos pagam o preço: envenenamento, condições insalubres e prejuízos económicos”, lê-se no site da organização.
Rajoelina chegou ao poder em 2009, precisamente após uma revolta apoiada pela mesma Capsat, que derrubou o então presidente Marc Ravalomanana. À época, Rajoelina era presidente da Câmara de Antananarivo e símbolo da contestação urbana.
O Protagonismo da Geração Z e os Ecos Internacionais
O movimento malgaxe reflete um fenómeno regional mais amplo. Jovens com forte presença digital têm liderado mobilizações em países como Nepal, Indonésia e Bangladesh, muitas vezes com desfechos políticos significativos.
Alguns analistas comparam o actual cenário à Primavera Árabe, quando revoltas populares varreram o Norte de África e o Médio Oriente no início da década de 2010.
A analista de risco político Rose Mumanya alerta, contudo, para o perigo de repetição de um ciclo de instabilidade:
“Estamos perante instituições frágeis e um exército que intervém não em nome do povo, mas em defesa das elites económicas e políticas”, afirmou à DW.