O EVANGELHO DO LUCRO QUE DESTRÓI FAMÍLIAS
Em Angola, a fé tornou-se também mercadoria. Igrejas multiplicam-se e, por trás de muitas cruzes erguidas, escondem-se cofres abertos. Pastores e profetas que deviam salvar almas, hoje coleccionam bens e, no caminho, destroem famílias inteiras.

A recente denúncia do profeta Eliseu Embaixador, em entrevista ao Portal Ponto de Situação, veio apenas reforçar o que há muito se murmura nas esquinas e se observa nas telas: a conduta de certos indivíduos que, escondidos sob o manto de pastores e profetas, fazem da fé um negócio e do altar uma banca de mercado.
Há, entre nós, um crescimento vertiginoso de igrejas que brotam como cogumelos após a chuva, mas nem todas florescem para o bem, muitas apenas apodrecem a terra. Em vez de curar feridas sociais, abrem novas chagas. Onde antes se erguia um armazém ou uma escola, ergue-se hoje uma tenda, um “templo” improvisado, muitas vezes sem base teológica nem formação pastoral e o que devia ser casa de oração, transforma-se em empresa familiar.
Não estou contra ao surgimento de igrejas, mas não sou a favor de instituições religiosas, cujos líderes têm como o fim, o lucro, engando as suas ovelhas.
A indústria da fé
É inegável: fundar uma igreja em Angola tornou-se, para muitos, uma actividade lucrativa. O sagrado virou comércio, e o púlpito um balcão de vendas.
Entre cânticos e “profecias”, multiplicam-se os truques emocionais e as chantagens espirituais. Há pastores que convencem fiéis a venderem tudo o que têm para “plantar sementes” de bênção e, no final, colhem apenas o desespero, enquanto os líderes, envoltos em luxos, conduzem carros de alta cilindrada e vivem em mansões cercadas por muros de injustiça e o milagre do capital disfarçado de cruz é visível na kianda.
O profeta Eliseu alertou que, “há revelações fabricadas, profecias que são encenações”. Muitas dessas mensagens ditas “divinas” servem apenas para extorquir o pouco que resta aos fiéis.
Alguns chegam ao ponto de contrair empréstimos bancários para resolver problemas “espirituais” inventados. Uma fé assim, manipulada, deixa de ser redenção, é uma armadilha.
O profano dentro do sagrado
Mais grave ainda é a devassidão moral que se esconde em certas igrejas.
Alguns “pastores” estendem os seus holofotes para além dos púlpitos e fazem das mulheres dos crentes as suas “ovelhas preferidas”.
Casos de abuso sexual, disfarçados de “rituais de libertação”, têm manchado o rosto da religião.
Recorde-se o episódio recente, na Huíla, onde um suposto pastor foi acusado de agredir sexualmente uma fiel sob o pretexto de “retirar o espírito de homem da noite”.
São histórias que, muitas vezes, nascem e morrem dentro das paredes da igreja, abafadas por famílias cúmplices, movidas pela vergonha ou pelo medo de enfrentar a autoridade “divina” do seu líder.
O poder e a manipulação
Quantas vezes já ouvimos relatos de pastores que desencorajam o estudo, alegando ser pecado “buscar sabedoria do mundo”?
Quantas mulheres foram proibidas de prosseguir os estudos, sob a crença de que “a mulher sábia deve ficar em casa”?
Quantos fiéis foram impedidos de ir ao hospital porque “quem tem fé não precisa de médico”?
Essas doutrinas distorcidas produzem ignorância, e a ignorância é o terreno fértil onde germina o abuso.
Se houvesse uma fiscalização rigorosa das instituições religiosas, tanto públicas como privadas, talvez se revelassem muitas dessas práticas ocultas.
É urgente que o Estado, as comunidades e as próprias confissões sérias unam esforços para purificar o campo espiritual angolano, antes que o mal cresça e devore a alma colectiva.
Por uma fé que liberta e não que escraviza
Estamos a brincar com o Evangelho, a mercantilizar o nome de Deus, a transformar o sagrado num circo e, o verdadeiro amor ao próximo não se mede em dízimos, mas em gestos.
Precisamos de preparar o homem espiritual, intelectual e moralmente para que saiba discernir entre o pastor e o predador.
A sociedade deve manter-se vigilante, pois cada família destruída em nome da fé é uma pedra arrancada do edifício nacional.
A busca pelo lucro não pode justificar o roubo da inocência, a manipulação da crença, nem a destruição da esperança.
O verdadeiro profeta é aquele que serve não o que se serve.
Que cada um de nós seja luz onde tantos vendem sombras e que a história, no seu juízo final, reconheça quem fez o bem e quem apenas o simulou.
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