ENGRAXADORES DE SAPATOS MERGULHADOS NA CRIMINALIDADE
Na Vila do Gamek, em Luanda, vários adolescentes, outrora engraxadores de sapatos, estão a mergulhar no submundo da criminalidade, empurrados pela falta de oportunidades, influência de más companhias e o abandono familiar.

Têm entre 13 e 17 anos. Empunhavam escovas e latas de graxa, ganhando o pão com dignidade nas pedonais da capital. Hoje, muitos deles trocam os bancos de engraxar por esquinas sombrias, onde o crime se disfarça de sobrevivência.
Em vários pontos da cidade de Luanda, é comum ver jovens a engraxar sapatos como forma de sustento, mas, com igual frequência, é possível notar como são alvos fáceis de aliciamento para a delinquência. No Gamek, o fenómeno tem vindo a agravar-se.
Uma comerciante local conta que os adolescentes, antes dedicados ao ofício de engraxador, tornaram-se um perigo constante.
“Eram miúdos trabalhadores, mas com más influências viraram ladrões. Temos medo.”
Mingo, um rapaz de cerca de 13 anos, é um dos que caiu nesse ciclo.
“Eu não queria andar mais com o Zé, só que não tenho onde dormir. E se eu não fizer o que ele manda, fico na rua”, confessou.
O nome de Zé surge frequentemente nos testemunhos, apontado como figura de má influência entre os jovens da zona.
“Estes miúdos estavam bem. Nenhum deles bebia álcool, mas desde que o Zé apareceu, todos entraram no mundo do crime”, revelou com indignação a vendedora Helena, que partilha a sua indignação.
Jaime Oliveira, de 14 anos, ainda tenta resistir à marginalidade. Engraxa sapatos desde 2022 para sobreviver.
O adolescente disse que muitos dos companheiros tornaram-se marginais, não por quererem, mas porque as dificuldades da vida obrigam.
“Eu também tenho sonhos. Quero ser professor um dia”, afirmou com um olhar voltado ao chão.
Jaime aprendeu a fumar aos 12 anos. Nunca conheceu o pai. Com os olhos marejados, declarou, caso tivesse pai, talvez não seria engraxador.
Depois disso, fez-se silêncio. Um silêncio mais eloquente do que mil palavras.
Entre os que caíram no crime, muitos dizem querer sair, mas a fome e a falta de amparo familiar pesam mais do que os bons propósitos.
“O problema não são os meninos que roubam. É a miséria em que vivem. Há dias em que não comem. Dormem na rua. A criminalidade é o último recurso”, disse um jovem cobrador, que preferiu manter o anonimato.
No Gamek, como em tantas outras zonas da capital, cresce uma geração que sonha com lápis, mas encontra facas. Engraxa sapatos de manhã e, ao cair da noite, uns caminham em busca de bens que não os pertence.
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